A Neurociência explica: o que é adultização? Entenda os danos que podem marcar uma vida inteira
Neurocientista Telma Abrahão explica como a adultização infantil afeta o desenvolvimento cerebral e emocional, gerando impactos que podem durar para sempre
Reprodução internet
A palavra “adultização” tomou conta do debate público na última semana, depois que o influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, publicou um vídeo de 50 minutos denunciando a exposição e exploração de crianças e adolescentes nas redes sociais. O conteúdo viralizou, ultrapassou 35 milhões de visualizações em poucos dias, furou bolhas políticas e sociais, e levou o tema à pauta de parlamentares, juristas e especialistas em desenvolvimento infantil.
O vídeo expõe como o funcionamento dos algoritmos pode favorecer redes de pedofilia e incentivar a monetização de conteúdos sexualizados envolvendo menores de idade. Felca recriou, de forma investigativa, o comportamento de predadores online, mostrando como o Instagram rapidamente passou a sugerir mais imagens de crianças em contextos sexualizados. A repercussão resultou na suspensão de perfis investigados, como o do influenciador Hytalo Santos, e reacendeu discussões sobre a responsabilização das plataformas digitais.
O que é adultização?
O termo se refere ao processo pelo qual crianças e adolescentes são expostos a comportamentos, responsabilidades ou padrões estéticos próprios da vida adulta antes do tempo adequado. Isso pode ocorrer por meio da sexualização precoce, do trabalho infantil, da imposição de responsabilidades excessivas ou da exposição indevida nas redes sociais.
Para a neurocientista Telma Abrahão, especialista em desenvolvimento infantil e escritora best-seller, a adultização é uma das formas mais nocivas de violência contra crianças, pois interfere diretamente na formação de sua identidade e na construção da segurança emocional. “A infância é a fase em que se constroem as bases emocionais e a visão de mundo. Quando uma criança é forçada a pular etapas, seja por negligência, abuso ou exploração, ela internaliza uma ideia muito dolorosa: ‘Se eu não posso confiar nem nos meus próprios pais, então não posso confiar em ninguém’. Isso gera insegurança e um estado de alerta constante, que podem acompanhar essa pessoa para sempre”, afirma.
Segundo Telma, essas vivências afetam até mesmo o funcionamento físico do cérebro. “A ciência confirma que experiências adversas na infância têm impacto direto no desenvolvimento cerebral. A criança que cresce sem proteção e afeto adequados pode desenvolver sérias dificuldades de regulação emocional, e isso desregula todo o sistema nervoso autônomo, responsável por controlar nossa resposta ao estresse”, explica.
O Estudo ACE (Adverse Childhood Experiences), referência mundial no tema, mostra que experiências traumáticas precoces estão ligadas a índices mais altos de depressão, ansiedade, vícios e dificuldades de socialização. “Essas marcas não desaparecem sozinhas. Quando o sistema nervoso é programado para viver em constante hipervigilância, a pessoa pode enfrentar crises de pânico, fobias, problemas nos relacionamentos e até doenças físicas, décadas depois”, completa a neurocientista.
Aspectos legais e necessidade de regulação
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe qualquer exploração que viole a dignidade e a intimidade de crianças, prevendo pena de seis meses a dois anos de prisão. No entanto, especialistas apontam que as leis brasileiras ainda são insuficientes para lidar com a velocidade e o alcance das violações no meio digital.
Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, como o PL 2.628/2020, buscam estabelecer a responsabilização das plataformas pela circulação de conteúdos indevidos, exigir verificação real de idade e proibir a monetização de vídeos com crianças. Países como França, Reino Unido e Austrália já adotaram medidas mais rigorosas de controle e autenticação para acesso a conteúdos restritos.
Um problema coletivo
Telma reforça que o combate à adultização infantil exige ação coordenada entre famílias, escolas, autoridades e sociedade civil. “Nem todos têm filhos, mas todos tiveram infância. O que acontece nessa fase não fica nela. Garantir que as crianças vivam plenamente essa etapa – sem pressões, sem exposição e sem responsabilidades do mundo adulto – é uma responsabilidade coletiva”, conclui.